Concentração de renda – Uma nota técnica elaborada pelo economista Sérgio Gobetti e publicada pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) aponta para uma explosão de concentração de renda no país, que se já era alta, cresceu em ritmo acelerado nos últimos anos.
O levantamento mostra que a renda dos 15 mil brasileiros mais ricos – muitos deles, grandes empresários -, cresceu até o triplo do ritmo observado entre o restante da população nos últimos anos. Para essa elite, o crescimento médio da renda praticamente dobrou entre 2017 e 2022 (96%). Do outro lado, os ganhos dos 95% brasileiros adultos mais pobres avançaram cerca de 33%, quase o mesmo índice da inflação do período (31%).
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Isto quer dizer que enquanto os ricos viram seu patrimônio e sua renda crescerem exponencialmente de 2017 para cá, os trabalhadores ficaram estagnados, ou seja, parados no tempo, quando não empobreceram. Por exemplo, a renda do grupo 0,1% mais rico, formado por cerca de 154 mil pessoas, cresceu em média 87% entre 2017 e 2022. A renda mensal desses brasileiros subiu de R$ 236 mil para R$ 441 mil no período. Já na fatia 1% mais rica, o crescimento também foi alto, de 67%. Entre os 5% com mais ganhos, de 51%.
O estudo mostra que a concentração de renda no país bateu todos os recordes e que a situação se agrava a cada dia. “Ao que tudo indica, o nível de concentração de renda no topo bateu um novo recorde histórico, depois de uma década de relativa estabilidade da desigualdade”, afirma Sérgio Gobetti. E isto está diretamente relacionado ao lucro dos patrões: o valor distribuído no Brasil em forma de lucros e dividendos passou de R$ 371 bilhões em 2017 para R$ 830 bilhões em 2022. Já na base da pirâmide, os trabalhadores, na prática, empobreceram.
Reforma Trabalhista
A Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, pode ter contribuído para o agravamento do cenário de desigualdade no país. Entre as mudanças impostas pela reforma, a regra de que o acordado passaria a valer mais que o legislado, mesmo que o trabalhador abrisse mãos de direitos garantidos na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Ao mesmo tempo, a reforma causou o enfraquecimento das negociações coletivas, priorizando os acordos individuais – entre o empregado e patrão –, em uma negociação desigual e desleal, que encurralou os trabalhadores, que se viram obrigados a abrir mão de uma série de garantias para não perder o emprego em um país de mais de 10 milhões de desempregados.
A reforma também serviu para asfixiar os sindicatos, acabando com a sua principal fonte de financiamento. Enfraquecidos, os sindicatos de trabalhadores perderam fôlego no enfrentamento aos patrões, causando outro efeito: de 2017 a 2022, os acordos salariais, em sua maioria, não conseguiram reajustes acima da inflação, o que era comum antes da mudança na legislação trabalhista, e pior, a maior parte deles foram abaixo da inflação, causando perda de poder de compra aos empregados que, na prática, empobreceram.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) trazem luz ao tema: entre 2018 e 2022, os resultados das negociações pioraram progressivamente, com o aumento de resultados com percentuais abaixo da inflação e redução daqueles com ganhos acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O ápice foi 2021, ano em que apenas 15,2% dos acordos conseguiram reajustes acima do índice que costuma ser utilizado como referência nos acordos trabalhistas. No mesmo ano, 45,8% dos reajustes firmados em acordos salariais foram inferiores à inflação.
Em 2022, o resultado também foi trágico para os trabalhadores brasileiros: de um total de 19.370 reajustes, 39,5% ficaram abaixo da inflação medida pelo INPC. Foram 24,3% acima do índice e 36,2% equivalente ao INPC acumulado nos 12 meses anteriores. Os dados de 2023 ainda não estão concluídos, mas apesar da expectativa de o cenário apresentar uma melhora, esta deverá ser tímida.
Não é mera coincidência que a concentração de renda dos mais ricos cresceu junto com a distribuição de lucros das empresas, enquanto os reajustes salariais ficaram – em grande maioria – abaixo da inflação, com o enfraquecimento dos sindicatos e mudanças na legislação trabalhistas que beneficiaram os patrões em detrimento dos trabalhadores, sob a promessa da geração de milhões de empregos – o que de fato nunca ocorreu.
Apenas a revisão – ou revogação – de uma série de mudanças causadas pela Reforma Trabalhista de 2017 podem reverter o quadro de empobrecimento dos trabalhadores brasileiros, o aumento da concentração de renda e a explosão da desigualdade social, que nunca foi tão grande no Brasil. Entre as modificações necessárias, o fortalecimento das negociações coletivas e uma nova forma de financiamento das entidades sindicais estão entre as principais delas. Somente com sindicatos fortes, estruturados e atuantes, o país pode reverter esse triste cenário desumano de injustiça social.
(Foto: Reprodução/Getty Images)
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