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Hospital usa inteligência artificial para monitorar pacientes do SUS em casa

Inteligência artificial – Enquanto se recuperava de uma cirurgia, uma paciente do Hospital de Amor, em Barretos (SP), escreveu por WhatsApp: “Tô com gastura”. O chatbot entendeu: era azia. Outro paciente, que se deslocou para Roraima após o procedimento, preferiu gravar um áudio para dizer que naquela noite havia dormido como um anjo. O robô interpretou: estava tudo bem.

Ambos os casos fazem parte de um projeto do hospital filantrópico que utiliza inteligência artificial para acompanhar à distância a recuperação de pacientes do SUS. Criado em 2019, o programa de inovação do Hospital de Amor já lançou 35 soluções tecnológicas, incluindo apoio ao diagnóstico de câncer de mama, detecção de burnout, controle de ruído em UTIs e até óculos de realidade virtual para diminuir a ansiedade em crianças durante tratamentos oncológicos.

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“Quase todos os hubs de inovação do Brasil são voltados para a saúde suplementar, mas a saúde pública também precisa ser nutrida com tecnologia”, afirma Luis Gustavo Romagnolo, médico e diretor de inovação do Hospital de Amor. “Startups vendem suas soluções para o privado e, se der certo, vão para o SUS, em convênio com prefeituras, por exemplo. Aqui é o inverso. A gente faz a solução para a saúde pública.”

Com cerca de 5.000 cirurgias por ano e 300 tomografias por dia, o hospital gera uma vasta quantidade de dados sobre casos oncológicos. “A sacada foi anonimizar os dados e criar um grande ‘data lake’ [lago de dados, em tradução livre] para que as startups testem suas IAs”, diz Romagnolo.

Mais de 90 healthtechs já passaram pelo centro de inovação Harena, onde firmam acordos técnico-científicos para desenvolver e testar suas ferramentas com profissionais da saúde pública. “A IA acelera processos e faz dupla checagem, mas não substitui o toque humano”, complementa Romagnolo.

Uma das startups aceleradas é a Kidopi, responsável pelo chatbot que acompanha pacientes após cirurgias. A empresa também atua no monitoramento de casos de câncer de mama, pulmão e colorretal. Segundo a startup, 74% dos pacientes com câncer colorretal que relataram sintomas após o procedimento foram acompanhados à distância e não precisaram ir ao pronto-socorro.

No caso de câncer de mama, 41% dos pacientes relataram melhora dos sintomas após a quimioterapia graças às orientações recebidas pelo chatbot, e outros 34% conseguiram esclarecer dúvidas sobre o tratamento, incluindo lembretes de medicamentos, consultas e exames.

“Precisamos aproveitar que o pessoal está empolgado com a tecnologia porque o mercado de saúde demora para adotar inovação”, afirma Mario Adolfi, fundador da Kidopi.

Formado em informática biomédica pela USP em 2005, Adolfi fez parte de uma das primeiras turmas que já tinham inteligência artificial na grade. Durante um estágio numa unidade de emergência, percebeu o atraso na transferência de pacientes. “Era papel, caneta e horas no telefone buscando uma vaga com a central”, relembra. Depois, criou um sistema que reduziu essas ligações a 2% do total na região de Ribeirão Preto (SP).

Reconhecida por instituições como ONU e MIT, a Kidopi também trabalha com hospitais como Albert Einstein e AC Camargo. Neste último, afirma a empresa, as complicações cirúrgicas caíram 67% com uso de tecnologia. “Meu objetivo é escalar para o SUS, mas o governo não está preparado para comprar inovação. Ele é preparado para comprar algodão e seringa”, diz Adolfi.

Outra healthtech ligada ao Hospital de Amor é a SAS Brasil, que, com base no banco de dados do hospital, desenvolve um algoritmo para identificar risco de câncer de colo de útero, o tipo que mais mata mulheres pobres no Brasil. A startup combina imagens reais de úteros adoecidos e seu próprio banco de dados para treinar a inteligência artificial a apoiar diagnósticos.

Hoje, na rotina do SUS, a mulher faz o papanicolau, espera o resultado e, em caso de alterações, entra em uma fila para a colposcopia com biópsia, que pode demorar até três meses e exigir longos deslocamentos. “A ideia não é a IA cravar o diagnóstico, mas sinalizar o risco de ser uma lesão, o que faria o médico passá-la mais rápido na fila, não seguindo a ordem cronológica”, explica Sabine Zink, CEO e cofundadora da SAS Brasil.

Com 97% de precisão nos testes laboratoriais, a expectativa é que a tecnologia esteja em uso dentro de um ano. “Soluções tecnológicas vão ser divisoras de águas no descobrimento de medicamentos, na triagem de pacientes e no diagnóstico”, afirma Zink. “O risco é tornar o SUS mais eficiente, mas é como se a gente dirigisse mais rápido na direção errada. Falta uma solução mais sistêmica e disruptiva”, pondera.

(Com informações de Folha de São Paulo)
(Foto: Reprodução/Freepik)

Julia Stoever

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Tags: sindical

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