Rosana, Maria Elisa e Ângela, moradoras de Paraisópolis, gastam mais da metade do dinheiro do Bolsa Família no botijão de gás; todo dia, só arroz e feijão
Na favela de Paraisópolis, a poucos metros do conforto das casas, prédios e restaurantes do Morumbi, bairro da zona sul de São Paulo, os R$ 121 mensais do Bolsa Família são tudo que Rosana Aparecida Ramos, 46 anos, tem para passar o mês. Sempre que chega o dinheiro do benefício, ela sabe que precisará fazer escolhas. “Deixo de pagar alguma conta. Compro arroz, feijão e uma cartela de ovos para o mês.”
Para comer, Rosana precisa também pagar R$ 68 no botijão de gás, que dura cerca de um mês e meio. Os R$ 53 restantes não chegam nem perto de fechar a conta das despesas básicas: comida, água, luz (mais ou menos R$ 40), produtos de higiene e transporte para os tratamentos de saúde que realiza em outras regiões da cidade. Ela não consegue trabalho como cuidadora ou doméstica há pelo menos quatro anos, desde que a idosa de quem cuidava morreu, e a saúde piorou. “Coloquei cateter e estou aguardando uma cirurgia. O médico falou que não posso fazer esforço”, diz.
Vera Lucia da Silva, 40 anos e que mora em uma casa de dois cômodos com seis filhos, sobrevive com R$ 230 do Bolsa Família e diz que, na vizinhança, a situação é cada vez mais comum. “Tem gente em situação pior que a nossa, que não tem o que comer dentro de casa, mas tem vergonha de falar. Muito difícil mesmo”, diz.
Maior polo de riqueza do país, a região metropolitana de São Paulo, que concentra 39 municípios, tem 700.193 pessoas vivendo na pobreza extrema, número 35% maior do que era em 2016. São 180 mil pessoas a mais, mostra análise da LCA Consultores a partir de dados recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para chegar aos resultados, a consultoria adotou a linha de corte do Banco Mundial, que considera em situação de pobreza extrema quem tem US$ 1,90 de renda domiciliar per capita por dia (corrigida pela paridade de poder de compra). Esse valor era equivalente a R$ 133 mensais em 2016, de acordo com o IBGE. Em 2017, era de R$ 136, conforme cálculo da LCA. O IBGE deve divulgar números oficiais neste ano, por meio da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais.
Segundo Cosmo Donato, economista da LCA Consultores e autor do levantamento, o crescimento da pobreza extrema ocorre apesar da redução da taxa de desemprego na Grande São Paulo, para 14,2% no quarto trimestre do ano passado, 0,7 ponto percentual abaixo da verificada um ano antes. Para ele, além de informais, esses empregos não beneficiaram a parcela mais pobre da população.
“Estamos falando de pessoas que muitas vezes não conseguem se inserir nem na informalidade. É um problema mais estrutural. São pessoas com baixa qualificação, produtividade, e que conseguiram emprego no passado, porque havia superaquecimento do mercado de trabalho. É um dado que não melhora com a recuperação cíclica do mercado de trabalho, vai exigir políticas sociais”, disse Donato.
O aumento da miséria afetou sobretudo – e mais uma vez – a parcela menos instruída da população, além de pessoas de cor preta ou parda, de acordo com o levantamento da consultoria. O número de pessoas de cor preta ou parda vivendo em situação de extrema pobreza cresceu 61% no ano passado na região metropolitana de São Paulo, acima do aumento entre a parcela branca da população (13,6%).
A pobreza extrema cresceu 11,2% na média nacional no ano passado, frente ao ano anterior, para 14,83 milhões de pessoas. Isso significa um incremento de 1,5 milhão de pessoas no período. O movimento ocorreu em todas as grandes regiões do país. No Nordeste, avançou fortemente na Bahia, por exemplo. No Sudeste, o destaque negativo foi exatamente São Paulo.
No Estado de São Paulo como um todo, o número de miseráveis cresceu 23,9% na passagem de 2016 para 2017, chegando a 1,392 milhão de pessoas. Em proporção ao tamanho da população, a taxa de pobreza extrema passou de 2% para 3%, respectivamente, abaixo da média nacional (7%). Outras unidades da federação mostraram uma proporção ainda mais desfavorável no ano passado, como Maranhão (19,1%), Alagoas (15,1%) e Amazonas (13,6%), por exemplo.
O aumento da pobreza no Estado de São Paulo está ligado à queda de renda da população mais pobre. De acordo com o IBGE, a renda média domiciliar per capita média da parcela 5% mais pobre da população – considerando o rendimento de todas as fontes, como trabalho, aposentadoria ou pensões, aluguéis e programas sociais – caiu de R$ 115 para R$ 94 entre 2016 e 2017 no Estado, recuo de 18%.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Estado de São Paulo até cresceu no ano passado, em 1% frente ao ano anterior, após recuar 3,9% em 2016, de acordo com estimativas do banco Santander. O desempenho de 2017 foi em linha com a média nacional (1%), apoiado num perfil disseminado de recuperação da atividade econômica paulista. Isso não foi suficiente, contudo, para atacar o problema da pobreza no Estado.
Uma parte do problema é que a renda gerada no Estado continuou mal distribuída no ano passado. O índice de Gini, principal medida da desigualdade da renda, até melhorou de 0,541 em 2016 para 0,534 em 2017 – o indicador varia de zero a um, sendo zero uma distribuição perfeitamente igualitária. Essa melhora, contudo, se deu pelo achatamento da renda dos mais ricos, e não pelo desejável avanço da renda dos mais pobres.
O levantamento da LCA Consultores foi realizado a partir da base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que pesquisou o rendimento de todas as fontes (trabalho, aposentadoria ou pensões, aluguéis, programas de transferência de renda, entre outros. O levantamento considera dados de renda per capita. Por esse critério, um chefe de família com mulher e dois filhos tem sua renda dividida por quatro.
Fonte: Valor Econômico
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