Termo era utilizado exclusivamente para tratar de prática ilegal de fraude à legislação trabalhista, mas atualmente esse entendimento vem sofrendo consideráveis alterações
Pejotização – Nos últimos anos, a pejotização se tornou um tema de grande relevância na sociedade brasileira, principalmente pelo seu crescimento exponencial e discussões decorrentes sobre ser uma forma lícita ou fraudulenta de contratação de mão de obra. A prática consiste na contratação de profissionais autônomos via suas respectivas pessoas jurídicas sem que caracterize vínculo empregatício e, portanto, sem os deveres e direitos inerentes ao contrato de trabalho regido pela CLT.
Desde o seu surgimento, o termo era utilizado exclusivamente para tratar de prática ilegal de fraude à legislação trabalhista e era completamente vedada pelos tribunais brasileiros. O próprio site do Supremo Tribunal Federal [1] conceitua a pejotização conforme definição de Lorena Vasconcelos Porto e Paulo Joarês Vieira [2], segundo os quais “(…) ‘pejotização’ consiste na contratação de trabalhador subordinado como sócio ou titular de pessoa jurídica, visando a mascarar vínculo empregatício por meio da formalização contratual autônoma, em fraude à relação de emprego. Daí se origina o neologismo ”pejotização”, no sentido de transformar artificialmente um empregado em pessoa jurídica”.
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Em casos de pejotização os magistrados dos Tribunais Regionais do Trabalho avaliam os fatos sob os preceitos do artigo 3° da CLT, a fim de verificarem a configuração ou não dos requisitos para a formação de vínculo empregatício, sobretudo o da subordinação. Historicamente, a jurisprudência trabalhista, ao analisar os requisitos, majoritariamente afastava o contrato de prestação de serviços e reconhecia o vínculo empregatício, por entender haver fraude à legislação trabalhista na contratação.
No entanto, atualmente esse entendimento vem sofrendo consideráveis alterações, desde que o STF passou a se manifestar favoravelmente à licitude das contratações pejotizadas. No julgamento conjunto da ADPF 324 [3] e do RE 958.252 (representativo do Tema 725 de repercussão geral [4], realizado em sessão plenária de 30/8/2018 sob relatoria do ministro Luiz Fux), o STF decidiu pela licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, e qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, com a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
No julgamento da ADC 48 e da ADI 3.961, em 15/4/2020, de relatoria do ministro Roberto Barroso, o STF, pautado na tese de licitude da terceirização, entendeu que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego, uma vez que o princípio da livre iniciativa garante liberdade aos agentes econômicos para eleger suas estratégias empresariais.
Nesse sentido, no julgamento da Reclamação Constitucional 56.285 [5], de 27/3/2023, também de relatoria do ministro Barroso, determinou-se que o mercado pode comportar profissionais cuja atuação tenha caráter de maior autonomia, sendo lícitas outras formas de contratação, desde que o contrato seja real e não configure fraude, isto é, que não esteja mascarando uma típica relação de emprego, com subordinação. Nesse julgado, ainda, os ministros destacaram que o reclamante não é um trabalhador hipossuficiente, sendo capaz de fazer uma escolha esclarecida sobre sua contratação.
Mais especificamente sobre a pejotização, no julgamento da Reclamação 47.843 [6] em 8/2/2022, o STF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, entendeu expressamente ser lícita essa modalidade contratual, esclarecendo não haver irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços. Durante o julgamento, o ministro Barroso reiterou ser a licitude atrelada ao fato de que o caso não tratava de trabalhadores hipossuficientes, que dependem da proteção estatal ao vínculo de empregado, mas de hipersuficientes, que escolheram de forma esclarecida a prestação dos serviços via contrato pejotizado, inexistindo fraude.
Pejotização na TI
Essa discussão impacta diretamente o ramo da tecnologia da informação (TI). Ultimamente, vem-se observando um crescimento na contratação dos profissionais da área via contratos de prestação de serviços, sob suas respectivas pessoas jurídicas. Isso se dá, principalmente, pelos altos valores de remuneração, pelo alto nível de conhecimento técnico e pela busca de maior autonomia e flexibilização na prestação dos serviços, tanto em relação ao horário de trabalho, quanto na diminuição da exclusividade, podendo, assim, prestar serviços para mais de uma empresa.
Nesse caso, o contrato sem vínculo empregatício muitas vezes é a forma de contratação escolhida por esses profissionais e empresas. Porém, em razão do posicionamento majoritário da Justiça do Trabalho, inclinada a reconhecer a fraude da pejotização e descaracterizar esse regime, há certo receio em prosseguir na modalidade. E é exatamente por esse motivo que os novos entendimentos do STF se mostram extremamente relevantes, por trazerem maior segurança jurídica aos profissionais e às empresas da área de tecnologia da informação que optam pela contratação sem vínculo empregatício e mitigar os riscos de uma potencial reclamação trabalhista.
A hipersuficiência desses profissionais decorre de critérios objetivos como remuneração igual ou superior a R$ 16.314,80 (limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social) e o diploma de ensino superior, nos termos do parágrafo único do artigo 444 da CLT, além de realizarem suas atividades de forma autônoma e sem subordinação, de modo que se encaixam nos parâmetros estipulados pela Suprema Corte de licitude da pejotização. Dessa maneira, conforme já inclusive reconheceu o STF em casos análogos [7], deve prevalecer a modalidade de contratação definida pelas partes, sem o reconhecimento do vínculo de emprego.
No entanto, apesar do entendimento consolidado pelo STF, é necessário destacar que a matéria ainda não se encontra pacificada na justiça especializada. Essa pacificação, por sua vez, está cada vez mais próxima de acontecer, uma vez que está concluso para julgamento desde 3/2/2025 o Tema 30 de recursos repetitivos do TST, o qual irá fixar tese acerca da licitude ou não da pejotização.
O tema teve como origem os embargos de divergência opostos pelo reclamante após o TST decidir pelo afastamento de vínculo empregatício reconhecido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, declarando lícito o contrato pejotizado de prestação de serviços, em virtude da hipersuficiência do profissional. Em razão disso, o Tribunal Superior entendeu ser válida a autonomia de vontade, uma vez que inexiste, no caso, a contaminação da capacidade negocial do profissional, devendo prevalecer o princípio da boa-fé objetiva.
A partir da análise jurisprudencial, conclui-se, portanto, que os contratos de pejotização, antes vistos exclusivamente como uma forma de fraudar a legislação trabalhista, estão ganhando gradativamente maior espaço e validação no ordenamento jurídico brasileiro, um reflexo direto das alterações do mercado. No entanto, é necessário ressaltar que, mesmo após as decisões favoráveis do STF e do TST, uma maior segurança jurídica depende do julgamento do Tema 30 pela justiça laboral e a licitude da modalidade contratual depende da avaliação do caso concreto, sendo lícita apenas quando o profissional é hipersuficiente nos termos da legislação e inexiste subordinação ou qualquer tipo de vício na formação da autonomia de vontade no momento da pactuação.
Caso seja comprovada fraude, a pejotização poderá ser considerada ilícita e o vínculo empregatício ser reconhecido, havendo consequentemente a anotação na carteira de trabalho do profissional e o pagamento, pelo empregador, de todas as verbas trabalhistas e tributárias devidas ao longo da vigência contratual, além de eventuais danos morais.
Em assim sendo, é de extrema importância que empresas e profissionais da área de tecnologia da informação avaliem minuciosamente qual a melhor forma de contratação, se por via da pejotização ou da tradicional relação celetista, bem como se o profissional e as atividades desenvolvidas se encaixam nas definições estabelecidas pelo STF para que, caso optem pelo contrato de prestação de serviços, este seja legal.
[1] https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/tesauro/pesquisa.asp?pesquisaLivre=PEJOTIZA%C3%87%C3%83O#:~:text=%22(…)%20′,fraude%20%C3%A0%20rela%C3%A7%C3%A3o%20de%20emprego.
[2] PORTO, Lorena Vasconcelos; VIEIRA, Paulo Joarês. A “pejotização” na reforma trabalhista e a violação às normas internacionais de proteção ao trabalho. JusLaboris, 2019. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/162073. Acesso em: 19 fev. 2024
[3] https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15341024987&ext=.pdf
[4] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=750817537
[5] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=766620507
[6] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=760099218
[7] https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15369905425&ext=.pdf
Por Gabriel de Carvalho Thielmann, sócio das áreas de Contencioso Cível e Resolução de Disputas Especializadas, Remuneração Executiva e Relações de Trabalho e Economia, Finanças e Tributos do Thielmann Advogadosm, mestre em Análise Econômica do Direito pelo European Master in Law & Economics com múltipla titulação: Aix-Marseille Université – Master of Business, Law and Economics; Universität Hamburg – LL.M. European Master in Law and Economics; Erasmus Universiteit Rotterdam – LL.M. European Master in Law and Economics.
Por Marcela Reino Mori, advogada associada da área de Remuneração Executiva e Relações de Trabalho do Thielmann Advogados, pós-graduanda em LL.M. Direito do Trabalho pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Insper.
*Texto publicado originalmente no Portal Consultor Jurídico (Conjur)
(Foto: Reprodução/Freepik)
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