Desoneração sem enquadramento – O Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação de São Paulo (Sindpd-SP) descobriu que diversas empresas que se beneficiam da desoneração da folha de pagamento para o setor de TI podem estar descumprindo a legislação trabalhista ao não respeitarem a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria, prejudicando os trabalhadores que contrataram se aproveitando do benefício fiscal. Para o sindicato, as empresas podem estar cometendo irregularidades fiscais ou trabalhistas.
Neste sentido, o Sindpd acaba de acionar judicialmente duas empresas por possível descumprimento da CCT ao mesmo tempo em que supostamente admitem atuar no setor de TI por meio da desoneração da folha. Uma delas é a Tools Soluções e Serviços Compartilhados Ltda, de Piracicaba (SP), que tem serviços em TI como atividade secundária e, por meio disso, conseguiu o benefício de pagar as contribuições previdenciárias com base na receita bruta, e não sobre a folha de salários.
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“Porém, apesar de se utilizar das suas atividades secundárias para se beneficiar da desoneração da folha, a reclamada não tem respeitado e cumprido as normas coletivas da categoria do SINDPD, negando aos seus empregados os benefícios conquistados pela categoria”, diz a ação do sindicato.
Na prática, isso significa que os trabalhadores podem deixar de usufruir de direitos importantes assegurados pela CCT, como jornada de trabalho de 40 horas semanais, percentual diferenciado de horas extras e de adicional noturno, vale-refeição ou alimentação obrigatório e outros benefícios.
Na peça jurídica, o sindicato defende que, caso a empresa alegue que não tenha a Tecnologia da Informação como atividade principal, estando assim dispensada de cumprir a CCT do Sindpd, por consequência estaria usufruindo do benefício fiscal de forma irregular.
“A utilização do benefício fiscal referente à desoneração da folha de pagamento está diretamente vinculada ao correto enquadramento sindical da empresa, o qual deve refletir, de forma precisa, a atividade preponderante desenvolvida pelo empreendimento. Tal enquadramento deve estar em consonância com as atividades previstas na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) celebrada entre o SINDPD e os sindicatos patronais que representam o setor de Tecnologia da Informação (TI) e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).”
“Ele é o critério utilizado para assegurar a correspondência entre a atividade efetivamente exercida e a concessão do benefício. Nos casos em que a atividade principal da empresa não se enquadra no rol das atividades abrangidas pela legislação, o aproveitamento do benefício fiscal configura, por certo, uma irregularidade”, acrescentou.
Diante dessas duas hipóteses, o sindicato requer que a empresa apresente sua autodeclaração apresentada à Receita Federal para utilizar o benefício da desoneração da folha de pagamento ou, caso não o faça, admita que seus trabalhadores são representados pelo Sindpd-SP e cumpra a CCT da categoria.
Trabalhadores lesados
Se comprovada a atuação da empresa no setor de TI, ela deverá cumprir as normas coletivas da categoria e pagar a diferença dos valores que deve a seus funcionários. Por exemplo, aqueles que trabalham 44 horas semanais teriam direito a receber 4 horas por semana como horas extras, seguindo o percentual da CCT, uma vez que a jornada máxima é de 40 horas.
“A redução de 44 horas para 40 horas semanais representa, concretamente, um aumento salarial de 10,01% (dez vírgula um por cento), como podemos demonstrar na hipótese de um salário de R$ 2.000,00 por mês. No exemplo, o empregado que trabalha 40 horas semanais (200 horas mensais) tem salário-hora de R$ 10,00, enquanto na jornada de 44 horas semanais (220 horas mensais) o salário-hora seria de R$ 9,09”, demonstra o documento.
Os trabalhadores também teriam direito a receber vale-refeição com valor mínimo estabelecido pela convenção. Em 2025, o mínimo é de R$ 30 por 22 dias úteis, incluindo as férias. Este valor era de R$ 28 no ano passado. Ou seja, aqueles que não receberam o auxílio ou receberam valores menores, deveriam ter a diferença ressarcida, com correção.
Pode haver ainda diferenças e multas a serem pagas referentes a outros direitos da convenção, como reajuste salarial, Participação nos Lucros e Resultados (PLR), auxílio creche, adicional para filhos ou dependentes excepcionais, assistência médica, além da penalidade por descumprimento da CCT, se confirmada.
O sindicato solicitou que a empresa forneça o número exato de trabalhadores em seu quadro pelo período que ainda não prescreveu, incluindo contratos inativos, que podem ter sido igualmente lesados, para o correto cálculo das penalidades.
Mais uma ação
A empresa Gamaser Tecnologia Ltda também foi acionada pelo Sindpd por motivo semelhante. Com sede na capital paulista, a Gamaser é mais uma que se beneficia da desoneração da folha de pagamentos, mas, ao contrário da Tools, admite em seu CNAE (Cadastro Nacional das Atividades Econômicas) e Contrato Social atuar no setor de Tecnologia da Informação.
No entanto, a empresa ainda assim está desenquadrada e possivelmente descumpre a Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre o Sindpd e a entidade patronal do setor, que possui força de lei.
“Relembramos que a Constituição Federal cometeu ao Sindicato a função institucional de representar a categoria (art. 8º, III), e a isso corresponde o dever de zelar pelos interesses da base representada, fiscalizando o cumprimento dos instrumentos normativos que tenha celebrado”, pontua a ação.
O Sindpd argumenta que utilizar-se da desoneração da folha de pagamentos é mais uma prova de que a empresa tem no setor de TI sua atividade principal e, portanto, deveria seguir as normas da convenção.
Assim como a Tools, ela estaria sujeita a ressarcir seus funcionários nos mesmos pontos e a pagar as multas previstas na CCT. O Sindpd identificou mais de 500 empresas nesta mesma situação no estado de São Paulo.
(Foto: Reprodução)