Enquadramento sindical – Eu já falei de Compliance Sindical nesta coluna, mas o tema de hoje é mais simples (?) – defina “simples”.
Não é, pode parecer, mas não é.
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O RH, muitas vezes, cuida da área sindical ou mesmo um departamento de relações sindicais. Em diversas ocasiões, não se verifica a validade dos sindicatos, tanto patronal quanto profissional, mesmo que a escolha seja antiga e efetuada quando da criação da empresa, por um profissional – muitas vezes, da contabilidade que abriu a empresa.
Às vezes, a atividade da empresa muda no decorrer dos anos ou há uma alteração societária, como uma fusão ou uma cisão de um departamento muito específico.
Decisões societárias e fiscais que desconsideram totalmente a questão trabalhista e sindical: é nesse momento que o enquadramento sindical inadequado leva a prejuízos significativos.
O tema do enquadramento sindical é sério, complexo e traz consequências significativas. Qualquer alteração societária pode levar a uma mudança na representação sindical, seja ela uma fusão, uma cisão ou qualquer outro tipo de ajuste, até mesmo uma simples mudança de sede para um município vizinho. Não se deve fazer uma análise simplificada, ela deve ser minuciosa e fundamentada na lei e na jurisprudência.
Estabelecer o correto enquadramento sindical no Brasil não é simples nem fácil, a não ser quando a atividade da empresa é muito clara, tradicional, única e sem filiais que exerçam atividades diversas.
Em relação às filiais, há interpretações tanto em relação à manutenção do enquadramento da matriz quanto ao estabelecimento de um enquadramento específico e diferenciado, dependendo do caso. Cada situação é avaliada com base em vários critérios que não interessa discutir aqui.
No entanto, um dos critérios para as filiais é a correlação com as atividades da empresa matriz, o que não pode ser aplicado às empresas do grupo econômico.
Neste caso, cada empresa será classificada com base na sua atividade econômica principal (tenha cuidado para não se concentrar apenas no código CNAE, pois isso pode levar a complicações).
O caso mais emblemático é referente ao Meli, empresa do grupo Mercado Livre. A afirmação da empresa é que “a prestação de serviços (pelo Meli) é feita exclusivamente em benefício das empresas do grupo econômico Mercado Livre”. Ver o artigo .581 da CLT.
O acórdão determinou que essa assertiva não se aplicaria a empresas distintas: “ré é empresa com personalidade jurídica própria, de forma que não se considera a atividade preponderante do grupo econômico a definir a representação de seus empregados, mas a atividade que efetivamente exerce e que consta de seu objeto social: prestação de serviço de informática em geral, consultoria em tecnologia da informação, desenvolvimento e licenciamento de programas de computador, suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação, treinamento em informática”.
A ordem do dia do presente acórdão é a seguinte:
“PROCESSO TRT/SP 1001543-54. 2023. 5. 02. 0383 – Representação sindical do empregado. Grupo econômico. A representação sindical dos empregados da empresa se define pela atividade econômica por esta exercida, conforme dispõe o § 2º do art. 511 da CLT, independentemente do destinatário da prestação de serviço, ainda que este seja apenas integrante do grupo econômico da empregadora. Cabe a discussão de exceção a esta regra apenas em caso de prejuízo ao trabalhador, com amparo no art. 9º da CLT. Recurso da ré a que se nega provimento no tema”
Então, vamos às dicas iniciais:
– Nunca acredite num enquadramento muito simples salvo. Como eu disse, se a atividade é muito clara.
– Cuidado: na indústria, matéria-prima importa. Autopeça de metal é Industria metalúrgica, autopeça de plásticos é indústria de plástico, autopeça de borracha é indústria da borracha. Então, os patronais e profissionais são diferentes.
– Matriz e filiais podem ter enquadramento diferente.
– Empresas do mesmo grupo econômico são independentes e cada qual deve ter seu enquadramento analisado.
– Após analisar a empresa, olhe para empregados, categorias dominantes e diferenciadas.
Então, um passo a passo simplificado – nunca deixe de contatar seu assessor que sabe fazer enquadramento (atenção: cada item pode demandar análise de muitos documentos e elementos).
1 – Definir a atividade econômica principal – as regras são fiscais, não trabalhistas. Olhe a CNAE, mas veja se ela é correta, olhe atividades, olhe faturamento se houver mais de uma, número de empregados envolvidos, enfim, regras fiscais para determinar atividade preponderante;
2 – Faça isso para determinar a empresa com mais de uma atividade econômica. Se não for possível definir, poderá haver mais de um sindicato na história;
3 – Faça isso para cada filial e olhe se a atividade da filial é correlata ou conexa com a da matriz ou não, isso impacta em ser o mesmo ou um enquadramento diferente;
4 – Faça isso em cada base territorial.
5 – Faça isso em cada empresa do grupo, elas não têm o mesmo enquadramento só por serem do mesmo grupo, não se aplica a elas a regra de conexão das filiais.
6 – Tenha com você um profissional que entenda da matéria, cuidado com enquadramento automático com base só na CNAE e por IA.
Por Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista.
*Texto publicado originalmente no site RH Pra Você