Federação Nacional dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação

Programadores da Amazon trabalham sob pressão após adoção de IA

Programadores da Amazon trabalham sob pressão após adoção de IA

Programadores relatam que recursos que antes levavam semanas agora precisam ser entregues em dias, com ajuda da IA

IA – Desde os tempos da revolução industrial, os trabalhadores temem ser substituídos por máquinas. No entanto, quando a tecnologia revolucionou setores como a fabricação de automóveis, o processamento de alimentos e até tarefas administrativas, a solução geralmente não foi eliminar postos de trabalho, mas sim simplificá-los, dividindo-os em etapas repetitivas executadas em ritmo acelerado.

Oficinas especializadas deram lugar a linhas de montagem com centenas de operários. As secretárias pessoais foram substituídas por equipes de digitadores. Como destacou o historiador Jason Resnikoff, os trabalhadores “reclamavam da aceleração, intensificação e degradação do trabalho”.

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Um fenômeno parecido parece estar ocorrendo com a inteligência artificial, especialmente em uma das áreas onde ela mais se consolidou: a programação.

À medida que a IA se expande, muitos profissionais com alto nível de formação temem o desemprego em massa. Porém, embora demissões possam acontecer, a principal consequência imediata para os engenheiros de software parece ser uma transformação na natureza de seu trabalho.

Alguns relatam que as tarefas estão se tornando mais mecânicas, menos criativas e, sobretudo, muito mais rápidas.

As empresas acreditam que, assim como as linhas de montagem do passado, a IA pode impulsionar a produtividade. Um estudo recente da Microsoft e de três universidades mostrou que o uso do Copilot, um assistente de IA que sugere trechos de código, elevou a produtividade dos programadores em mais de 25%.

Na Amazon, que está investindo pesadamente em IA generativa, a cultura de desenvolvimento está mudando rapidamente. Em sua carta anual aos acionistas, o CEO Andy Jassy afirmou que a IA generativa está gerando retornos significativos em “produtividade e redução de custos”. Ele destacou que a velocidade é crucial para competir no mercado e mencionou que a IA está transformando os padrões na programação.

Essas mudanças nem sempre são bem recebidas. Três engenheiros da Amazon relataram que, no último ano, os gestores têm pressionado cada vez mais pelo uso de IA, elevando metas de produção e reduzindo a tolerância com prazos. A empresa até promoveu um hackathon para incentivar a criação de ferramentas de IA que aumentem a produtividade.

Um dos engenheiros afirmou que sua equipe foi reduzida à metade, mas a expectativa é que mantenha a mesma produção, graças à IA.

A Amazon declarou que avalia regularmente o tamanho das equipes e ajusta conforme necessário. “Continuaremos a adaptar a forma como incorporamos a IA generativa em nossos processos”, disse Brad Glasser, porta-voz da empresa.

Outras empresas de tecnologia seguem o mesmo caminho. O CEO da Shopify anunciou em abril que o uso de IA agora é “uma expectativa básica” e que a tecnologia será incluída nas avaliações de desempenho.

O Google também está incentivando o uso de IA, promovendo um hackathon com prêmios de US$ 10.000 para equipes que criarem ferramentas de produtividade. Um porta-voz afirmou que 30% do código da empresa já é sugerido por IA e aceito pelos desenvolvedores.

Nem tudo são desvantagens. Gerentes argumentam que a IA pode livrar os funcionários de tarefas repetitivas, permitindo que se dediquem a trabalhos mais complexos. Jassy mencionou que a Amazon economizou “o equivalente a 4.500 anos-desenvolvedor” usando IA para atualizar softwares antigos.

Lawrence Katz, economista de Harvard, observa que a IA pode beneficiar programadores talentosos, mas para os menos experientes, a transição pode lembrar a mudança do trabalho artesanal para o industrial. “Há uma sensação de que o empregador pode exigir mais”, disse Katz, citando pesquisas preliminares.

Espectadores em seus próprios empregos

A automação na programação tem um significado especial para os engenheiros da Amazon, que viram colegas de armazém passarem por algo semelhante.

Antes, trabalhadores percorriam quilômetros para organizar estoques. Hoje, em armazéns robotizados, ficam parados enquanto robôs entregam os itens. A Amazon afirma que os robôs não substituíram humanos, mas aumentaram drasticamente a produtividade. Alguns funcionários, porém, reclamam do trabalho repetitivo e desgastante.

Essa transição ecoa entre os engenheiros, que agora são incentivados a depender mais da IA. Embora o uso seja tecnicamente opcional, muitos sentem que não têm escolha para cumprir metas.

As expectativas aceleraram. Um engenheiro relatou que recursos que antes levavam semanas agora precisam ser entregues em dias, com ajuda da IA e menos discussões em equipe. Outra desenvolvedora disse que seus ganhos de eficiência foram menores, variando conforme a adoção das ferramentas.

A IA também reduziu o tempo para reflexão. “Antes, projetos complexos levavam meses, sem monitoramento constante. Agora, tudo é rápido e rastreado”, observou Katz.

A Amazon introduziu ferramentas de IA capazes de gerar grandes blocos de código, descritas como “assustadoramente boas” por um engenheiro. Muitos relutam em usá-las, pois exigem verificação minuciosa e reduzem o controle sobre o trabalho.

“É mais divertido escrever código do que revisá-lo”, disse Simon Willison, programador e blogueiro, resumindo a frustração de muitos. Com a IA, a revisão passa a ser a maior parte do trabalho.

Essa mudança pode fazer com que os engenheiros se sintam meros espectadores. Eles também usam IA para redigir memorandos e testar softwares, tarefas que antes os obrigavam a pensar profundamente. Um engenheiro alertou que a automação pode prejudicar o aprendizado de juniores.

A Amazon afirma que a colaboração e a experimentação ainda são essenciais e que a IA visa aprimorar, não substituir, a expertise dos profissionais.

Harper Reed, ex-CTO da campanha de Obama, concorda que a IA pode dificultar a progressão na carreira, mas questiona a necessidade de dominar cada detalhe do código. “Não faz sentido medir manualmente peças quando máquinas fazem isso”, comparou.

Willison destacou que a IA democratiza a criação de software, reduzindo custos e acelerando protótipos. “Para quem cria modelos iniciais, é um presente dos céus.”

A temida aceleração

Frustrados, muitos engenheiros da Amazon se uniram ao grupo Amazon Employees for Climate Justice, que discute não só questões ambientais, mas também o impacto da IA no trabalho.

Eliza Pan, ex-funcionária e porta-voz do grupo, disse que as preocupações incluem “o futuro das carreiras e a qualidade do trabalho”.

Embora não haja movimentos sindicais entre os programadores da Amazon, a história mostra que a pressão por produtividade pode levar a protestos. Na greve da General Motors em 1936, o que motivou os trabalhadores foi justamente a aceleração imposta.

Como escreveu o historiador Sidney Fine, o trabalhador sentia que já não podia “definir o ritmo de seu trabalho” nem “determinar a maneira como ele deveria ser executado”.

(Com informações de Folha de S.Paulo)
(Foto: Reprodução/Freepik/DC Studio)

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